24 de fevereiro de 2011
Você me vê por aqui, mas eu estou lá, na curva da Pedra do Arpoador, na curva dos trilhos do bondinho, na curva das esquinas da Av. Rio Branco, nas curvas do Joá rumo ao azul, nas curvas do Pão de Açúcar, nas curvas da cúpula do CCBB, nas curvas do Sambódromo, nas curvas das letras de Chico.
Curvo-me ao Rio!
Mar.
Mar do Rio.
Olhos marítimos de Chico.
A poética que perpassa o azul, asfalto, brejo, bar em bar, construção, atravessamento de personagens, guris, pivetes, operários, prostitutas, Rita, Nicanor, Carolina, Beatriz, Pedro...Chico.
Francisco, nome de rio.
Eu rio, rio, rio.
Volto ao Rio!
Este blog é o registro de toda produção de textos acerca da pesquisa
"Chico Buarque e as cidades submersas: a criação na condição de não-pertencimento espacial", vinculada ao Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea - UFMT. Toda escrita, impressões, contemplações, hipóteses e conceitos desenvolvidos virão à tona, seja em discurso científico, seja num tom confessional de sensação, perfume, sombras que me rodeiam, me conduzem a obra de Chico.
Sou uma carioca apaixonada pelo Rio e, Chico para mim é o autor que descreve, despudoradamente encantado, todas as cruezas e exuberâncias do Rio.
Por isso Chico, por ser Rio e por eu ser também.
Maira Jeannyse, em algum dia quente de outubro, em Cuiabá...em-prenhada de Rio...
24/FEVEREIRO/2011
“Chico Buarque e a subjetividade da cidade vivenciada – o desterritório do ser”
A contemporaneidade nos fala do ser humano desterritorializado e prevê interações entre corpo-espaço, entre territórios-rede, uma cartografia da multiplicidade. O espaço materializa estares e, quando vivenciado, agencia desejos, criando novos territórios de conexão. O indivíduo contamina-se por esta pluralidade de territórios, dilata-se e acaba desterritorializando-se, pois é interpelado pelo espaço subjetivo. O processo de criação do compositor Chico Buarque em sua obra parece descrever personagens atravessados por uma geografia que extrapola regiões, fronteiras, cuja existência se dá no não-lugar, no estrangeirismo de ser, assim como o próprio autor, à deriva, em suas caminhadas. Este estudo tem como ponto de partida a cidade materializada na poética de Chico Buarque para perceber o agenciamento de afetos, conflitos e desejos de personagens que amalgamados constroem uma narrativa do “tornar-se muitos”.
(Maira Jeannyse)
24/fevereiro/2011
O novo disco de Chico Buarque
Desde que Chico Buarque respondeu “depois de um livro eu começo a mexer com música” a um jornalista na noite de entrega do prêmio Jabuti, começou a circular o boato de que ele estaria preparando um disco. No entanto, só há poucos dias soube através do compositor Guinga (parceiro do Chico em “Você, você”, a canção edipiana) que, de fato, o boato virou notícia. Chico já esquenta os estúdio da Biscoito Fino para a gravação de um novo projeto, que se desenrolará neste semestre.
Analisando a linha de produção do compositor, depois de “Estorvo”, seu primeiro romance de 1991, vieram dois discos autorais. Daí a pausa para escrever “Benjamin”, em 1995, e em seguida um longo período só dedicado à música. “Budapeste”, terceiro romance, veio em 2003. Depois disso Chico começa a filmar aquela famosa série de 12 DVDs sobre sua vida e grava “Carioca”, em 2006. Então dedica-se novamente à literatura e em 2010 lança “Leite derramado”.
Para mim, este novo disco e o da Gal Costa que está sendo produzido por Caetano Veloso são os mais esperados lançamentos da música brasileira para o ano.
(Tauil)
@tauiltter
Novo disco de Chico Buarque tem parceria com João Bosco
Chico Buarque, capa da revista Alfa de fevereiro, está esquentando um novo disco. Isso já foi noticiado, o que viemos falar é que, em entrevista à revista, Chico diz que seu álbum trará uma nova parceria com João Bosco, um dos maiores violonistas da música brasileira. Os dois já assinaram a parceria em “Mano a mano” e em “Pagodespell”, uma pouco conhecida mistureba musical que envolve também Caetano Veloso e Oswald de Andrade (!).
Além disso, um blues e uma valsa russa chamada “Nina” também estão no repertório. A revista já está à venda nas bancas com fotos de Walter Carvalho e perfil biográfico (de novo) da Regina Zappa.
(TAUIL)
@tauiltter
FONTE:
http://www.artilhariacultural.com/2011/02/11/novo-disco-de-chico-buarque-tem-parceria-com-joao-bosco/
12/julho/2010
Músicas de Chico Buarque podem virar série na Globo
De acordo com a coluna da Mônica Bergamo, na Folha, as músicas do Chico Buarque vão servir de base para roteiro de uma série da TV Globo. Pouco se sabe, porque pouco se tem, mas parece que serão quatro músicas utilizadas, a começar por Construção. Manoel Martins é o diretor-geral do projeto. Vamos ver no que vai dar.
Eu, pessoalmente, fico meio cabreiro com essas adaptações. Falando em Chico, e falando em adaptações, em breve devo postar aqui no AC sobre aquele Essa história está diferente, um livro de dez contos baseados em dez músicas do homem – aí vocês vão entender o porquê d’eu ficar meio assim com essas adaptações.
(Tauil)
@tauiltter
FONTE:
http://www.artilhariacultural.com/2010/07/12/musicas-de-chico-buarque-podem-virar-serie-na-globo/
22/outubro/2010
“PATHOS: a paixão nas letras de Chico Buarque – uma poética dramática sobre o feminino”*
Resumo: Pathos, o fenômeno teatral dos sentimentos extremos, segundo Aristóteles, na Antiguidade, estaria representado na obra contemporânea do letrista Chico Buarque? O poeta em parte de sua obra, aqui especificamente na que se refere ao universo feminino, descreve o tema da traição, separação, abandono e vingança, numa poética dramática, violenta em seu discurso e potente ritmicamente no uso de aliterações, saturando as palavras. Segundo Emil Staiger, em Conceitos Fundamentais da Poética, Schiller e Nietzsche em seus estudos sobre o trágico, estes seriam temas e características do processo patético sobre o sofrimento e o arrebatamento pela paixão. O presente estudo analisa parte das letras de Chico Buarque para tentar perceber elementos do pathos, pressupondo uma construção da poética do feminino, imbricada nas questões do drama.
Introdução
A obra musical de um poeta possibilita inúmeros caminhos distintos para análise, entretanto, ao examiná-la sob a perspectiva da dramaturgia contemporânea, poucos autores figuram como Chico Buarque no sentido de construção de personagens em diversos segmentos da escrita como o autor literário, compositor, poeta, letrista e dramaturgo, responsável pela obra, talvez, mais relevante e emblemática desde os idos de 1960.
A proposta deste artigo parte de um recorte da pesquisa de mestrado, intitulada
“Chico Buarque: espaço subjetivado de uma poética dramatúrgica”, cujo objetivo é perceber a existência de uma perspectiva dramática fundamentada na construção de personagens portadores de motivações, afetados por vontades e conflitos, detentores de ações que, dialeticamente, contrapõem-se e criam tensão.
Este ensaio detém-se nas letras com temática feminina, seja nas que têm a mulher como narradora ou naquelas que têm a mulher como objeto de narração, para tentar perceber o sentido de pathos.
Quanto à metodologia, adota-se o procedimento de identificação e seleção de personagens femininos que, arrebatados pateticamente, perguntam:
Quem é esta mulher? Como ela é? Como ela será? Selecionou-se algumas canções que, inclusive, carregam na própria letra estas interrogações. O fenômeno de transformação da mulher na contemporaneidade é considerado mediador nestas questões.
O phatos na submissão cultural e social do feminino
Em “Angélica” (Buarque: 1977), o lirismo surge no âmbito político-social, na emocionante narrativa de uma mãe em busca do corpo de seu filho desaparecido. A descentralização narrativa apresenta-se na alteridade de vozes (Fiorin: 2003) que, dialogicamente se intercalam, ora na primeira pessoa – a mãe desesperada – ora como um narrador que a observa e interroga “quem é esta mulher?” trazendo à tona o trágico desta personagem que, mesmo sendo uma denunciante, é subjugada ao binômio opressor e oprimido. A repetição melódica e métrica reiteram o pathos trágico da canção de ninar que mais parece um lamento estertorante.
“Quem é esta mulher/ Que canta sempre esse estribilho?/ Só queria embalar meu filho/ Que mora na escuridão do mar/ Quem é essa mulher/ Que canta sempre este lamento?/ Só queria lembrar o tormento/ Que fez meu filho suspirar (...)” (Buarque: Letra e música, 1989)
Em “Mulheres de Atenas” (Buarque: 1976), o poeta apropria-se do arquétipo grego feminino para criar uma perspectiva paralela ao período em que a mulher moderna se restringia a obediência e as habilidades domésticas, renunciando a seus desejos pessoais e profissionais (Biasoli-Alves: 1992). Neste drama épico, não há fim heróico para o servilismo feminino (“vivem pros seus maridos”), porém, enfatiza-se (“mirem-se no exemplo daquelas mulheres”) o absurdo de uma relação baseada na submissão. O autor parece perceber na mulher pós-moderna uma Medéia contemporânea, às avessas, que tem como virtude a vontade particular.
O tema separação será objeto de análise por duas vezes neste artigo, “Atrás da porta” (1972) dramatiza a ruptura de um relacionamento amoroso e dilaceramento do feminino. Quem narra é a própria mulher no exato momento da separação. O conflito não é propriamente o divórcio, mas a perda de auto-estima e dignidade. Apesar de a voz condutora ser a da mulher, sua identidade pessoal é posta em segundo plano. O compositor utiliza a repetição e o uso de aliteração (cama, carinho, coberta/ pêlos, pijama, pés) para potencializar o discurso, violentando o ritmo da palavra. A diluição da identidade (“nos teus pés, ao pé da cama”), a saturação da palavra (“e me arrastei e te arranhei e me agarrei nos teus cabelos”), e o arrebatamento no desejo de vingança (“sujar teu nome, te humilhar, e me vingar a qualquer preço”) imprimem força patética em “Atrás da porta”.
O autor Emil Staiger, discorre sobre o conceito de pathos:
“Nos dicionários encontramos pathos traduzido por ‘vivência, desgraça, sofrimento, paixão’ (...) Cícero opina que a palavra significa ‘doença”, mas prefere usar a expressão ‘perturbação’ (...)” (Staiger: Conceitos fundamentais da poética, 1997).
O pathos no erotismo e na libertação do feminino
Numa segunda instância, “Ana de Amsterdam” (1972-73), inaugura uma fase de libertação, apropriação da própria identidade e posse de seu erotismo (“sou Ana do dique/ sou Ana das loucas/ sou Ana da cama/ sou Ana de Amsterdam”). Transgressora, a mulher perde a obrigatoriedade do casamento e assume-se como mãe, profissional e amante. Ser desejável passa a ser uma opção e não um artifício para casar-se. Nesta mudança de comportamento, a mulher assume sua sexualidade (Biasoli-Alves: 1992).
“Olhos nos olhos” (1976) assim como “Atrás da porta”, tem como arena principal a separação de um casal. Entretanto, esta segunda, descreve o resgate do feminino na dissolução da relação amorosa, seguida por superação (“quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”). A protagonista é atuante, movida pateticamente pela capacidade de reversão; sua polaridade vai da submissão a consciência de si (“quero ver como suporta me ver tão feliz”).
Em “Tatuagem” (1973) e “Eu te amo” (1980) o corpo feminino instaura-se como veículo de afirmação da mulher. A intimidade de um casal constrói a narrativa, sob a ótica da experiência erótica. A amante que na associação de corpos, funde-se a seu homem e, após o orgasmo, entra no doloroso processo de individuação - a separação de corpos prenuncia o sentido do trágico que revela outra temporalidade, a do afastamento físico. “Eu te amo” (1980) esfacela as unidades de tempo e espaço (“ah, se já perdemos a noção da hora”/ “me conta agora como hei de partir”/ “me diz pra onde é que inda posso ir”), homem e mulher confundem-se (“já confundimos tanto as nossas pernas”) assim como o paletó que envolve o vestido e o sangue de um que se perde na veia do outro. A conquista da sexualidade tem seu preço (“fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios”), o de ser único, apesar de estar em dois.
Nietzsche, em O nascimento da tragédia suscita o mito de Dionísio para mencionar a sensação de padecimento no processo de individuação:
“Mitos contam que Dionísio, sendo criança, foi despedaçado pelos Titãs (...) com isso se indica que tal despedaçamento, o verdadeiro sofrimento dionisíaco, é como o estado da individuação, enquanto fonte e causa primordial de todo sofrer, como algo em si rejeitável” (Nietzsche: O nascimento da tragédia, 1992)
A faculdade de na dor física ou moral desencadear êxtase em se sofrer, é inerente na tragédia, um estado de alma de perceber-se passível de existir, mesmo infeliz, que impulsiona a ação e contribui na evolução do conflito (Schiller: 1992).
Schiller situa o pathos acima do instinto humano e localiza a força trágica em um espaço transcendente, onde o sofrimento sublime adquire contornos estéticos de uma poesia do trágico. O personagem revela seu caráter moral, na ambivalência de querer libertar-se da dor e ter o dever de sofrer (Schiller: 1992). Em suma, para Schiller o personagem patético é um estado de ser.
“A primeira lei da arte trágica é a representação da natureza padecente. A segunda é a representação da resistência moral ao sofrimento. (...) Tanto mais triunfante se revela a autonomia moral do homem, tanto mais patética é a representação e tanto mais sublime o ‘pathos’” (Schiller: Teoria da tragédia, 1992)
Nesta perspectiva, pressupondo que este estado de ser, seja um espaço de subjetivação existencial, observa-se nas criações de Chico Buarque, entre 1980 e 1989, traços metafísicos na descrição da mulher que passa a ser o objeto da narração masculina, adquirindo contornos múltiplos.
O pathos na subjetivação existencial
O contemporâneo vai nos falar da mulher que estabelece um pensamento liberal nas questões identitárias, imprimindo hibridismo nos papéis sociais (Biasoli-Alves: 1992). Neste panorama o homem passa a ser o voyeur que descortina a alma feminina. Chico Buarque escreve letras sob o ponto de vista do homem que, explicitamente, manifesta sua incapacidade de absorver a complexidade feminina. A mulher lhe escapa ao entendimento, porém por este motivo, encanta-se como em “Beatriz” (1982), “As vitrines” (1981) e “Valsa brasileira” (1988) que carregam o metafísico – “Beatriz” também pergunta sobre o feminino, mas diferentemente de “Angélica” e “Ana de Amsterdam”, projeta-se no verbo “será”, no que está por vir. O feminino é representado na figura mítica de uma atriz que transita entre a realidade e o mito (“será que é uma estrela/ será que é mentira”). O pathos é transferido para a subjetivação do olhar do homem que vigia esta mulher, seja “catando a poesia” (“As vitrines”) que ela alheia, “entorna no chão” ou vivenciando o mito do eterno retorno (“Valsa brasileira”) ao precipitar o encontro (“te veria confusa por me ver, chegando assim mil antes de te conhecer”) com a mulher amada – o homem capturado pelo prenúncio de uma nova mulher.
Considerações finais
Este trabalho busca identificar uma perspectiva do trágico, em especial, no sentido patético, nas ações e conflitos - a submissão, a sexualidade e a identidade do feminino, indicam uma jornada típica de um herói trágico, da superação a tomada de consciência. Os conflitos estão nas vontades frustradas, na dissolução emocional ou física, mas também alicerçam o caráter moral que, ante o sofrimento, pode desistir ou seguir em frente, porém sem se isentar de existir. Penso que a obra de Chico Buarque não é meramente uma arte poética para as multidões, mas uma arte da minúcia, das idiossincrasias humanas, os interstícios reveladores da intimidade. Chico Buarque, homem que, incomparavelmente, apropria-se da voz feminina, transita nas transformações da mulher, manifestada sem couraças - seus conflitos, dores e orgulhos, a multiplicidade do feminino na descrição de tantas personagens, entretanto vislumbro que todas amalgamadas são uma só – a mulher contemporânea.
* Artigo publicado no Portal ABRACE (Associação brasileira de pesquisa e pós graduação em artes cênicas) - VI Congresso da ABRACE (09 a 12 de vovembro de 2010 - UNESP). Todos os direitos autorais são restritos a autora.
06 de outubro de 2010...
Estou vendo Chico...tomada por um estado de "venturança", afetada por uma ventania, volteio e, volátil, vejo o vivo do ventre do criador. Vislumbro algo que só Chico me dá! Lindo o DVD sobre Chico e Tom. Obrigada por esta singular sensação!
CHICO BUARQUE: O DRAMATURGO DA MULHER CONTEMPORÂNEA - 1970-1989*
O fenômeno de transição da mulher contemporânea parte da submissão ancestral, perpassa a transgressão da liberdade sexual, a dor do divórcio e a conquista da independência. O compositor e dramaturgo Chico Buarque, em parte de sua obra como letrista, parece contextualizar este fenômeno na descrição de figuras femininas que se manifestam por meio de elementos do drama – personagem, ações, tensões e conflitos. Este trabalho pretende observar as composições entre 1970 e 1989, para tentar perceber a existência de uma poética dramática acerca da transformação da mulher contemporânea - da submissão a conquista de sua identidade.
Fenômeno de transformação da mulher contemporânea e sua representação na obra BUARQUIANA:
I – A submissão cultural e social
Mulheres de Atenas - 1976, Atrás da porta - 1972, Angélica - 1977
II – O erotismo e a libertação
Olhos nos olhos - 1976, Tatuagem - 1973, Eu te amo - 1980, Ana de Amsterdam- 1973
III – A subjetividade existencial
As vitrines - 1981, Beatriz - 1982, Valsa Brasileira - 1988
I - A submissão cultural e social
“Mulheres de Atenas” (1976) - o subjetivismo substituído pela denúncia:
1. Refere-se à submissão cultural das mulheres aos homens
2. Cultura grega como arquétipo
3. Dialética homem/ dominação-mulher/ submissão
4. Características de drama épico
5. Arquétipo da “mulher de verdade” ou “rainha do lar” (“vivem pros seus maridos”); o feminino valorizado na atitude de submissão
6. Não há fim heróico para a mulher servil, só o homem é viril, guerreiro
7. O leitmotiv: “mirem-se no exemplo”, insere na contemporaneidade o absurdo da mulher submetida à dominação masculina.
“Atrás da porta” (1972) – a subjetividade na perda da identidade:
1.Circunstância: ruptura de relacionamento amoroso e dilaceramento do feminino
2.Conflito: perda de auto-estima e dignidade (“E me arrastei e te arranhei e te agarrei pelos cabelos”)
3.Identidade pessoal colocada em segundo plano; voz feminina condutora
4.Repetição (arrastei, arranhei, agarrei/ cama , carinho, coberta/ pêlos, pijama, pés) como característica do processo patético (trágico)
5.Ação: atitudes impulsivas, destrutivas para expressar o desespero diante da separação
II - O erotismo e a libertação do eu-feminino:
“Olhos nos olhos” (1976) – a construção do subjetivismo na descoberta do prazer de estar só:
1.O feminino resgatado na dissolução da relação amorosa
2.A capacidade de superar e recomeçar
3.Término do jugo masculino
4.Mulher atuante (“sem você eu passo bem demais”)
5.Denúncia da opressão e subversão da mesma
6.O abandono seguido de superação da perda (“quando você me deixou...quase enlouqueci...mas como era de costume obedeci”)
7.Superioridade feminina (“quando você me quiser rever...vai me encontrar refeita...quero ver o que você faz”); narração na voz feminina
8.Conquista da identidade (“quando talvez precisar de mim...quero ver o que você diz...como suporta me ver tão feliz”).
“Tatuagem” (1973) e “Eu te amo” (1980) - o corpo como veículo de ser:
1. Lirismo na descrição da mulher “de carne e osso”, com desejos e necessidades afetivas
2. Mulher-amante e não somente esposa e mãe
3. Esfacelamento do ser (associação de corpos no ato sexual); após o orgasmo, início do processo de individuação (sofrimento e dilaceramento de Dionisío)*
4. Idéia de fusão de corpos (“quero ser a cicatriz/ a tatuagem/ a bailarina/ a cruz)
5. Sentido do trágico (pathos) na dor da possível separação; erotismo como fator de dissolução dos seres; libertação da figura “materna” e construção da figura feminina, sexuada.
6. “Me conta agora como hei de partir”, “Me diz pra onde é que inda posso ir”, “Como se nos amamos feito dois pagãos” – revelam a temporalidade no processo de separação de amantes.
7. A mulher é a narradora de sua experiência erótica.
III - A subjetividade existencial
“As vitrines” (1981) – a mulher é subjetivada no olhar masculino:
1.O masculino descortina a multiplicidade feminina
2.Sugere cenicidade na ação de seguir esta mulher, sendo seu vigia, seu voyeur
3.A dialética multiplicidade/ unicidade está nas palavras “vitrines”, “embaraçam”, “letreiros” e na frase “as vitrines te vendo passar” – a mulher é tratada como única e ao mesmo tempo plural
4.“Nos teus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar” carrega na subjetividade que rompe com o espaço e torna atemporal, metafísica e mítica a relação homem-mulher
5.A mulher alheia ao encantamento masculino (“passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão”).
“Valsa brasileira” (1988) – a mulher narrada pela visão mítica
1. Visão mítica, metafísica na descrição da mulher amada
2. Imagens poéticas e subjetivas
3. A mulher é narrada pelo olhar masculino como algo esperado e prenunciado
4.Tempo mítico: o eterno retorno
5.O encontro dos amados num tempo existencial, não cronológico que antecipa, precede, devaneia, transcende, eleva a figura feminina ao status de mulher amada.
Poética do feminino com traços do dramático:
1. A mulher como protagonista;
2. Construção de personagem dramático, preenchido de conflito, afetado por circunstâncias e veículo de ação;
3. Sentido do trágico (nos planos social, erótico e existencial)
4. Características do pathos: arrebatamento/ paixão; desgraça, sofrimento, prazer. Palavra potencializada e saturada → ritmo violento no discurso; repetição. Perda da individualidade; júbilo pela dor; tensão. Ritmo que violenta a palavra. Sentimento de vingança. Consciência de si.
Hipótese: Existência de uma poética dramática, dialógica ,nas letras de Chico Buarque , mais especificamente, no período de 1970-1989 que descreveria o fenômeno de transformações acerca do universo feminino.
Objetivos: Perceber uma poética do feminino , em parte da obra buarquiana , imbricada nas questões sociais, culturais e existenciais ; um estudo sobre a formação do arquétipo da mulher contemporânea. Identificar uma poética dramática e dialógica.
Metodologia: Localização, identificação e seleção de letras com temática feminina; aproximação de letras e personagens femininos para perceber se há dialogismo entre elas.
* Trecho da Comunicação oral no VIII Seminário de Linguagens - UFMT
06 de outubro de 2010. Evoé!
Teatro
CABEÇA ATIVA - SESC ARSENAL
14, 21 e 28/ 09 - 19h - Banco de Textos - Entrada Franca
Tema: Um Estudo Dramatúrgico Sobre a Obra de Chico Buarque
por Maira Jeannyse
SINOPSE: Observando a obra de Chico Buarque, especificamente como letrista, é possível perceber aspectos dramáticos e cênicos – narrativa fundamentada nos conflitos, ações e personagens que, musicalmente, dramatizam circunstâncias, seja no âmbito cotidiano, seja na subjetividade dos sentimentos.
A mediação deste trabalho discorrerá acerca de parte da obra de Chico Buarque, a partir dos critérios de análise textual, para tentar perceber elementos dramatúrgicos que possam constituir algumas de suas letras musicais. O encontro busca inserir a obra buarquiana numa perspectiva dramática, estabelecendo uma narrativa a partir de um discurso dialógico, que perpassa sua obra.
Conceitos como os de Dialogismo de Bakhtin, Dialética de Hegel e Poética de Staiger, mediarão a discussão.
Na busca de um sentido intertextual, além da análise, ao final do encontro objetiva-se criar uma idéia de “arranjo” dramatúrgico ou uma espécie de roteiro partindo da relação entre as letras de Chico Buarque.
“Quando comecei a fazer música profissionalmente, meu primeiro trabalho foi para o teatro (...). Eu comecei a compor canções para teatro, escrever textos para teatro (...) temas compostos para personagens, para situações que não são minhas, não são pessoais (...) uma necessidade dramatúrgica mesmo, que depois permanece (...) acho que ficou sendo um pouco a minha linguagem. “Mesmo que eu escreva hoje uma canção que não tenha nada a ver com o teatro, permaneceu algo dessa experiência no meu processo de criação” .
(Chico Buarque, 1999)