terça-feira, 17 de agosto de 2010

CHICO BUARQUE: UMA POÉTICA CONSTRUÍDA NA SEMIOSFERA?*


Este ensaio pretende estudar algumas letras musicais de Chico Buarque de Hollanda, em particular aquelas que referem-se à classe operária brasileira e que, a princípio, parecem integrar-se no espaço subjetivado de criação. A pesquisa pressupõe que haja uma perspectiva que antecede a própria narrativa das letras, uma espécie de espaço gerador, onde as letras musicais existem numa relação sistêmica.
O conceito de Semiosfera de Iúri Lótman pensa a cultura como um universo de estruturas organicamente integradas por mecanismos pensantes. Lótman se perguntava como uma cultura compreende uma outra, se expande e permanece integrada a ponto de constituir sistemas. Nesse sentido, a Semiosfera é um espaço que possibilita uma existência por meio da diversidade, configurando-se através da comunicação, da linguagem e, conseqüente desenvolvimento da cultura.
Lótman em sua investigação acerca da cultura transitou por outro campo teórico, o do conceito de Dialogismo de Mikhail Bakhtin para desenvolver seus estudos sobre semiosfera.
Mikhail Bakhtin, filósofo russo e teórico da linguagem, circunscreveu e examinou a linguagem sob diferentes ângulos, inserindo a língua num panorama diversificado de manifestações, imprimindo uma propriedade intrínseca – a o Dialogismo. A teoria de Bakhtin discorre sobre a idéia de tessitura conjuntiva, ou seja, a visão de conjunto de um texto, numa ótica de interação do discurso (BARROS, 2003).
No caso desta pesquisa, torna-se neste momento necessário aplicar esta teoria de visão de conjunto à obra pesquisada, a das letras de Chico Buarque que carrega, supostamente, certa alteridade em sua ossatura, uma aparente interdiscursividade nas canções.
Em parte da obra de Chico Buarque é possível identificar desdobramentos de tipos como os da classe operária, dos marginalizados, das mulheres abandonadas, ou até mesmo dos sambistas e malandros da boêmia. Um atravessamento de arquétipos e situações que, apesar de existirem na diversidade de cada canção, parecem criados numa espécie de semiosfera, espaço onde a heterogeneidade possibilita o dialógico. O diálogo que precede e gera a linguagem.
A responsividade narrativa aparece como fator dialógico entre partes diferentes – as letras possuem vida própria, isoladamente, porém ao aproximá-las é possível, além de distingui-las, identificar semelhanças e até mesmo recorrência em seus temas, tipos e conflitos. Pedro de Pedro Pedreiro espera o filho que vai nascer e o operário de Construção, despede-se do filho antes de sair para o trabalho. Este mesmo operário civil tropeça, flutua no ar e cai, morrendo na contramão, assim como em Deus lhe pague a letra cita “os andaimes pingentes, que a gente que cair”. Há uma ação que se constrói continuamente, como parte integrante de um único organismo, neste caso, a jornada de um herói cotidiano, que morre anonimamente.
As letras de Chico Buarque narram a ação de personagens que parecem desdobrar-se ou dialogar entre si, numa relação interdiscursiva, assim como nos revela Bakhtin sobre a responsividade narrativa - uma espécie de conversação intertextual, onde a alteridade é o acento do conceito de dialogismo, ou seja, todo discurso é perpassado por outro discurso (FIORIN, 2006).
Este discurso dialógico, polifônico que perpassa parte da obra de Chico Buarque, se constrói no espaço subjetivado de criação, isto é evidente, porém potencializando a discussão, caberia perguntar se este espaço é o semiosférico? No sentido de ser um espaço que compreende uma e outra letra?

O escopo deste ensaio parte deste questionamento, o de que existe uma estrutura narrativa que perpassa algumas letras, constituída pela heterogeneidade e gerada semiosfericamente.
Construção” descreve, assim como “Pedro Pedreiro” a jornada de um trabalhador. Em “Pedro Pedreiro”, Pedro, espera o aumento, enquanto sua mulher espera um filho para esperar também; em “Construção”, o operário, despede-se de sua mulher, de seus filhos e não espera como Pedro; segue como máquina, parece engolido pela engrenagem, tropeça e morre publicamente.
Diante desta perspectiva, de interpenetração, o operário de Construção pode ser tudo, até mesmo um desdobramento de Pedro de Pedro Pedreiro.
A suposição é sobre a existência de uma poética ou um pensamento narrativo que talvez inaugure uma espécie de construção textual em letras musicais, no caso, de Chico Buarque. O debate constrói-se entre os conceitos de dramaturgia e de enunciado dialógico, problematizado na suposição deste organismo narrativo, onde se intui uma relação entre personagens buarquianos.
O conceito de semiosfera vem contribuir nesta pesquisa.

Maira Jeannyse - Cuiabá, julho de 2010.
Orientação: Profa Maria Thereza Azevedo.

*Este é um fragmento do artigo de conclusão para a disciplina Estudos de Cultura I - Módulo Semiótica da Cultura (Profa. Dra. Lucia Helena Possari - UFMT). Todos os direitos deste texto, reservados a autora.

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