sexta-feira, 30 de julho de 2010

UMA POÉTICA INTERDISCURSIVA E DRAMÁTICA NAS LETRAS MUSICAIS DE CHICO BUARQUE*



Examinando a dramaturgia contemporânea, poucos autores figuram como criadores múltiplos no sentido de penetração em diversos segmentos da escrita como o autor literário, compositor, poeta, letrista e dramaturgo, Chico Buarque de Hollanda, responsável pela obra, talvez, mais relevante e emblemática desde os idos de 1960.
Este é um trecho do artigo apresentado como comunicação oral na III Jornada Latino Americana em Estudos Teatrais, realizada em junho, em Blumenau, cuja proposta é a observação de algumas letras musicais de Chico Buarque de Hollanda, para tentar perceber a existência de personagens dramáticos em sua obra, além de uma espécie de espaço subjetivado de uma poética ou pensamento narrativo, intersticial, interdiscursivo, fruitivo que geraria as letras e que, de certa forma, as alimenta, as aproxima, reverbera e cria desdobramentos entre seus personagens.
Parte-se do pressuposto de que existe na sua obra uma espécie de tessitura dramatúrgica com personagens que parecem dialogar entre si, estabelecendo uma suposta narrativa dramática, imageticamente cênica, a partir de uma espécie de “matriz dramatúrgica”.
Chico Buarque carrega em sua obra musical personagens do cotidiano, como operários, sambistas, malandros, mulheres do povo, pivetes que apesar de serem particulares em sua construção, desfilam características em comum, como se entrelaçados por uma poética interdiscursiva e dramática. As letras, numa leitura partindo do dramático, possibilitam uma visualização cênica. Citando como exemplo, “Construção” (BUARQUE, 1971), o autor revela a trajetória dramática, de um operário que numa construção, ergue a cada estrofe e a cada bloco, uma narrativa, que parece empurrá-lo rumo às alturas de um prédio e à sua queda final. O autor se utiliza de um recorte da vida cotidiana, para narrar em ações, a tragédia de um personagem anônimo. Chico Buarque nem sequer o nomeia, o que sugere que o conflito dramático é mais relevante. Entretanto, inserindo o personagem Operário numa perspectiva de tessitura dramática, que antecede inclusive a própria obra “Construção”, seria possível vislumbrar-se a gestação deste personagem.
Em “Pedro Pedreiro” (BUARQUE, 1965), há a presença subjetivada deste trabalhador que quase uma década depois, intui-se, se reverbaria no operário de construção. Como se Pedro Pedreiro se desdobrasse e ressoasse em Operário. Se pensarmos ambos os personagens sob esta ótica descentralizada (o sujeito deixando de ter papel central, mas pluralizando-se), intui-se um enunciado poético construído na alteridade.
“Construção” descreve assim como “Pedro Pedreiro” a jornada de um trabalhador. Em “Pedro Pedreiro”, Pedro, espera o aumento, enquanto sua mulher espera um filho para esperar também; em “Construção”, o operário, despede-se de sua mulher, de seus filhos e não espera como Pedro; segue como máquina, parece engolido pela engrenagem, tropeça e morre publicamente.
Mikhail Bakhtin, filósofo russo e teórico examinou a linguagem sob diferentes ângulos, inserindo a língua num panorama diversificado de manifestações, imprimindo uma propriedade intrínseca - o Dialogismo - que aqui, se configura como um dos elementos operatórios, além do conceito de drama, para a análise da obra buarquiana. A teoria de Bakhtin discorre sobre a idéia de tessitura conjuntiva, ou seja, a visão de conjunto de um texto, numa ótica de interação do discurso (BARROS, 2003).
Para Bakhtin um discurso origina-se em outro discurso, sendo, portanto, uma réplica de duas vozes enunciativas. A heterogeneidade de vozes revela posições que preconizam um dialogismo dentro de um enunciado, afetando inclusive o conceito de sujeito que ao ser multiplicado, passa a ser um sujeito histórico e ideológico (BARROS, 2003). Nesta perspectiva talvez estejam os personagens buarquianos, entrelaçados em sua construção de sujeito social.
A proposta do filósofo Mikhail Bakhtin revela que boa parte das opiniões dos indivíduos é social o que imprime uma responsividade narrativa, uma espécie de conversação intertextual, onde a alteridade é o acento do conceito de dialogismo, ou seja, todo discurso é perpassado por outro discurso - a interdiscursividade (FIORIN, 2006).
O debate constrói-se na suposição de uma poética, dramatúrgica,  criada no espaço subjetivado da criação, que geraria as letras musicais e que criaria ressonâncias entre os personagens e suas ações dramáticas. Não se ignora a existência isolada das letras musicais de Chico Buarque, apenas vislumbra-se uma relação destas  numa matriz dramatúrgica.

Maira Jeannyse - Cuiabá, maior de 2010.
Orientadora: Profa Dra. Maria Thereza Azevedo

* Este é um fragmento do artigo apresentado na III Jornada Latino Americana em Estudos Teatrais, em formato de comunicação oral. Todos os direitos autorais deste artigo são detidos pela autora.

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